BOM JESUS DO AMPARO – Três arqueólogos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) visitaram, na última quinta-feira, 17, o cemitério dos escravizados, localizado na Fazenda do Rosário, a convite da Secretaria de Cultura e Turismo.
O secretário de Cultura e Turismo, Eduardo César Motta Dias e o vice-prefeito, Gilvan dos Santos Luiz (PP), foram os anfitriões da visita técnica. Que tem como objetivo principal o reconhecimento do local como um sítio arqueológico
Os professores Tiago Tomé e Luís Syamanski e a professora Daniela Klokler conheceram o cemitério dos escravizados e projetaram novas visitas para desenvolverem trabalhos no local.
Depois do cemitério dos escravizados, os arqueólogos visitaram duas fazendas onde trabalhavam os escravizados: a do Rosário e a do Rio São João.
Uma pausa nos trabalhos, os arqueólogos passaram na fazenda Santa Tereza para conhecer o processo de fabricação de cachaça. A última fazenda visitada foi a Cavalhadas, que servia de maternidade para as escravizadas.
Paralelo a visita, o departamento de arqueologia e antropologia da UFMG já iniciou os estudos do livro de óbitos dos escravizados.
Confira abaixo a entrevista feita com o arqueólogo Tiago Tomé, na fazenda Cavalhadas, quando falou das primeiras impressões sobre a visita às fazendas e ao cemitério dos escravizados. Além disso, o professor da UFMG falou do início das pesquisas no livro de óbito dos escravizados.
ENTREVISTA PROFESSOR TIAGO TOMÉ
Diário Entre Serras – Qual a impressão que você teve nesta primeira visita ao município de Bom Jesus do Amparo?
Tiago Tomé- Essa visita nos permitiu pelo menos entender já essa ocupação desse território neste período de final do período colonial. Essa primeira visita nos deixa com uma impressão positiva. Percebemos que existem um conjunto de patrimônios bastante relevantes do ponto de vista histórico e arqueológico e até mesmo do ponto de vista artístico. Vimos alguns exemplos bastante interessantes, por exemplo, arte sacra. Do ponto de vista da arqueologia que acaba sendo o que nos traz aqui, carro chefe da nossa área de atuação, deu para perceber o potencial arqueológico ao nível do estudo dessa ocupação do século XIX, sobretudo aqui na região que acaba sendo central para o próprio estabelecimento da cidade. Imagino, numa outra fase, portanto nos deixa com expectativas bastante boas para vir a desenvolver pesquisas no futuro.
Diário Entre Serras – Em relação ao cemitério dos escravizados, que trabalho você sugere para uma parceria entre a UFMG e a Prefeitura?
Tiago Tomé- Penso que seria importante fazer uma revisão da delimitação atual. Verificar se por ventura existe alguma área do cemitério que não esteja dentro daquela delimitação que está hoje em dia colocada pelo município. Depois existem diferentes níveis de intervenções que eventualmente poderíamos fazer tanto ao nível de prospecções geofísicas que nos permitissem avaliar o potencial sub superfície como também intervenções arqueológicas, propriamente ditas, de realização de sondagens, auto escavação para, eventualmente tentar indicar estes locais de sepultamento e eventualmente estudar precisamente estas pessoas e eventualmente também, os objetos que os acompanhavam, caso existam, como uma forma de recuperarmos informações sobre esta população escravizada que frequentemente não é muito abordada, por alguns estudos. São populações que até mesmo ao nível da historiografia oficial frequentemente são algo invisível, são algo inviabilizadas. E, portanto, toda e qualquer pesquisa que possa auxiliar-nos, aprofundar o nosso conhecimento e trazer mais visibilidade para estas populações é relevante. Eu creio que aqui em Bom Jesus do Amparo seria uma possibilidade bastante interessante um local com potencial para lidarmos com estas questões.
Diário Entre Serras – Qual o planejamento e qual trabalho está sendo feito em relação ao livro de óbitos dos escravizados?
Tiago Tomé – Neste momento o trabalho já começou. Temos uma aluna que está iniciando a transcrição do livro de óbitos. Nesse momento a minha ideia com relação ao livro de óbitos será tentarmos perceber, por exemplo, ritos de morte, no período que ele registra. Ele registra um intervalo de cerca de 30 anos. Entender, por exemplo, se existem períodos dentro desse intervalo em que mais pessoas morreram do que em outros. Entender quem são essas pessoas, no sentido se são mais homens ou mais mulheres, quantas crianças estavam morrendo no meio daquele conjunto de pessoas. Será que eram muitas ou eram poucas? E também recuperar de certa forma, este livro nos dá essa informação, de fazer um pouco o mapeamento de quem eram os proprietários de cada uma dessas pessoas escravizadas que estavam ali, registradas no livro de óbitos e eventualmente em alguns casos que nem todos os registros tem essa informação, avaliarmos em termos de morte, quais são as causas morte, quais são as doenças que estavam acometendo essa população. Como forma novamente de tentarmos entender um pouco melhor as condições de vida. O modo de vida, infelizmente, nós já sabemos mais ou menos bem como era, uma vida de escravizado, era uma vida dura, difícil, uma situação obviamente inaceitável aos nossos olhos atuais. Mas, pelo menos tentarmos hoje em dia reconstruir uma pouco mais sobre o que eram estas condições de vida destas pessoas, como uma memória futura, precisamente um resgate desta memória passada destas pessoas, infelizmente falecidas. Mas, também um registro para a memória futura sobre este pós patrimônio, que é uma verdadeira cápsula do tempo. Essa realidade muita específica que pode ser muito interessante não apenas ao nível local, ao nível regional, ao nível nacional. Mas, em última análise claro, contribuir para o próprio conhecimento da cidade de Bom Jesus do Amparo sobre este pedaço tão relevante da sua história.